terça-feira, novembro 06, 2007

Associação Moinho da Juventude está a comemorar 20 anos

Houve festa rija no bairro do “djunta mon”

Subindo a rua principal do bairro, sente-se um ambiente diferente. Familiar, próximo e simples. Um estilo de vida espontâneo. Conversas à porta de casa, roupa estendida, carros meticulosamente estacionados no pouco espaço que existe. Música alta, um leve cheiro a milho assado e um burburinho que comprova a vida que há nas casas, de portas abertas. E sob um sol calmo de início de tarde, a Cova da Moura, na Amadora, comemora os vinte anos do Moinho da Juventude.

A Associação Cultural Moinho da Juventude iniciou o seu trabalho para abrir o bairro ao resto do mundo, tentando dar a conhecer o lado das pessoas que ali vivem. É baseado num sentimento mútuo de união que o trabalho continua a ser feito, desde a sua criação, em 1987. Hoje, junta centenas de moradores, voluntários e colaboradores.

“Há uma cultura própria e única da Cova da Moura, que parte de uma mistura de muitas culturas”, disse ao PUBLICO.PT Heidir Correia, 25 anos, guia das visitas que desde 2005 podem ser feitas ao bairro. Heidir apresentou o “Projecto Sabura” no final do seu curso de animação social, propondo que houvesse a possibilidade de dar a conhecer o bairro de uma forma directa. Para além de coordenar as visitas guiadas, é responsável pela organização dos ateliers de música e televisão. Activo e decidido, Heidir revela que a maior parte dos projectos da associação são bem recebidos e têm sempre muita gente. “Quanto mais projectos há, mais projectos são criados”.

O desporto é uma das áreas mais procuradas. Ibrantino Freitas, conhecido por ‘Tchino’, é o treinador de futsal. “Acho que agora as pessoas dão mais atenção e mais valor ao trabalho que é feito aqui”, disse. Considera que, enquanto treinador dos mais novos, deve dar uma formação não só de futebol, mas também na maneira de estar e agir na vida, no dia-a-dia. “A própria mentalidade das pessoas tem mudado” com a existência e as acções da associação, confessa “Tchino”.

Ermelindo Quaresma é formador e animador informático, num outro núcleo da associação. Para ele “o bairro é uma grande família”. Ermelindo quer que “todos tenham a consciência de que há um mundo de informação ao qual podem aceder”. Ali, à mão de semear, há uma sala de informática, com 12 computadores e cerca de 120 alunos.

"djunta mon"

Lut Goossens, coordenadora geral da organização belga De Link, foi uma das presenças especiais deste dia. A De Link orienta os chamados ‘peritos de experiência’, um conceito relativamente recente em Portugal, mas que na Bélgica é reconhecido pelo governo flamengo desde 1994. “A pobreza tem uma enorme influência no interior das pessoas, deixa-as verdadeiramente feridas”, explicou Goossens. “As medidas do governo, quando existem, não são suficientes. É necessária a ajuda de pessoas que saibam o que é ser pobre”. A mesma responsável sublinhou ainda a necessidade de estabelecer uma ponte entre as pessoas e o governo, e como essa atitude é eficaz na resolução de problemas de bairros problemáticos.

No discurso de abertura, a vice-presidente da Moinho da Juventude, a belga Godelieve Meersschaert, lembrou que “tudo envolve esforço e trabalho, numa combinação de energias”, salientando a importância do papel dos “peritos de experiência”. “Eles tentam explicar o porquê da pobreza, da emigração, numa colaboração complementar ao trabalho dos técnicos”.

E é neste sentido que o bairro se organiza em união, em “djunta mon” que, em crioulo, significa ‘juntar as mãos’, ‘trabalhar em união’. “Não aceitámos que o bairro, que foi construído pelos próprios moradores, fosse destruído. Vai ser requalificado e reconvertido”, disse Ermelindo Quaresma. “Há uma maior auto-estima nos moradores, mesmo em relação ao bairro onde vivem”, acrescentou. E Lut Goossens explica essa evolução. “Quando as pessoas se abrem e se soltam, vêem que são alguém e que têm motivos para serem apreciados pela sociedade”.

Na ilha trazida pelo Atlântico

A celebração do 20º aniversário da Moinho da Juventude foi um mergulho na língua crioula e na cultura cabo-verdiana. Transpareceu a certeza de que ali foi criado um mundo. Houve tambores, dança Kolar e muito batuque. “Kenha ki kre-nu, kre batuku. Batuku e nos aima!” (Aqueles que nos amam, amam o batuque. O batuque é a nossa alma). Finka Pé, o grupo de batuque que animou a tarde, contou com um pequeno talento revelado na dança. E um pouco antes, Miguel Horta, escritor ligado à comunidade cabo-verdiana, contou uma história em crioulo, o pequeno conto “A Cachupa” que fez com que os mais velhos regressassem à infância.

Sempre ao som de tambores, centenas de balões foram largados com pequenas mensagens. A esperança é que estes textos sejam lidos noutros pontos da cidade. Agora espera-se uma resposta de volta, vinda desse outro lado, no mesmo papel. Num voo de 20 anos de trabalho da Moinho da Juventude, é o acto mais simples e sincero de abertura do bairro à cidade.

Fonte: Público 5.11.2007

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