segunda-feira, fevereiro 04, 2008

De alunos conflituosos a mediadores de conflitos

Numa escola problemática da Damaia, alunos conflituosos são chamados a dirigir equipas de prevenção de conflitos, enquanto colegas desordeiros no refeitório ficam encarregues de manter a ordem nas filas do almoço. A responsabilização directa é a base da pedagogia inovadora promovida pela direcção.

Com a palavra «Staff» escrita a vermelho, os coletes que alguns destes jovens vão vestir a partir da próxima semana já estão encomendados pelo conselho executivo. A atribuição de responsabilidades deixa-os «todos inchados» e os outros seguem-nos com respeito, já antes habituados a vê-los como líderes.

António Gambôa, presidente do conselho executivo da EB 2,3 Pedro d`Orey da Cunha, conta com entusiasmo a forma como um dos «rufias» que antes se divertia a provocar distúrbios nas festas da escola envergou com determinação o papel de segurança nos eventos promovidos no recinto: «Nunca mais foi furado um balão, não houve mais problemas».

«Os miúdos que causam problemas passam a ser directamente responsáveis por eles. Se saírem da escola a perceber que a sociedade tem regras que têm de cumprir, grande parte do nosso trabalho foi feito. Isso é muito mais [importante] do que as notas», explica.

Para alguns, o objectivo pode até parecer pouco ambicioso, mas representa um gigantesco desafio, tendo em conta os muitos problemas que diariamente tem de enfrentar o agrupamento de escolas da Damaia, um dos 34 identificados pela tutela como um «Território Educativo de Intervenção Prioritária» (TEIP).

10% dos alunos têm processos nos Tribunais de Menores

Os números impressionam: dez por cento dos cerca de 550 alunos, de 14 nacionalidades, têm processos nos Tribunais de Menores por serem agressores ou vítimas de maus-tratos, quase 40 por cento são apoiados pela Acção Social Escolar e a maioria reside em bairros clandestinos famosos pela pobreza e pela criminalidade, como a Cova da Moura e o 06 de Maio.

«Estes alunos estão sozinhos, com agregados familiares completamente disfuncionais. Há graves problemas sócio-económicos, negligência e muitas carências alimentares», conta à agência Lusa o responsável, salientando que dez por cento das crianças que frequentam as escolas do primeiro ciclo do agrupamento são apoiadas pelos serviços escolares ao nível da higiene pessoal, tomando banho nas instalações dos estabelecimentos de ensino ou mesmo entregando lá a sua roupa para lavar.

Na escola, os alunos tendem a reproduzir os comportamentos e atitudes que aprendem nos bairros. O insulto passa rapidamente à agressão física e os conflitos entre estudantes nascem «por dá cá aquela palha».

De cabelos às trancinhas e expressão assustada, a pequena Iliana, de 12 anos, chegou de Cabo Verde há apenas três meses e confessa ainda ter «algum medo da escola»: «As meninas e os rapazes andam sempre à luta e a bater nas pessoas. A mim já me bateram cinco vezes. Na minha terra não era assim».

Apesar da diminuição do fenómeno reconhecida por muitos estudantes, só no passado ano lectivo o conselho executivo do agrupamento contabilizou 1.174 incidentes de indisciplina e violência, tendo sido suspensos 48 alunos, com um total de 302 dias de suspensão das actividades lectivas, a maioria dos quais ocupados com serviço cívico prestado na escola.

Fonte: Portugal Diário

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