quarta-feira, março 07, 2007

Novos agricultores urbanos na Amadora


Couves, batatas, cenouras e cebolas, entre tantos outros legumes, transformam os taludes
do IC19, entre a Damaia e a Buraca, em verdadeiros jardins de cor e de aromas. Na cidade jovem, onde o betão cresceu a olhos vistos ao longo das últimas décadas, qualquer pedaço de terra livre tem um valor incalculável para dezenas de habitantes, na sua maioria de origem
africana, que poupam umas boas dezenas de euros por mês na compra de produtos hortícolas.
É o caso de Justina Rocha que, diariamente, pega na enxada para cuidar da sua horta situada numa encosta da entrada do IC19 para a Amadora. "Vim de Cabo Verde há 25 anos e há 23 que cultivo aqui", revela esta moradora do Alto da Damaia. "Como a terra é muito boa, semeio vários tipos de produtos. Agora ando a semear feijão, couves, cebolas e batatas", acrescenta. Funcionária de uma empresa de limpezas, aproveita o período de folga, das 11 às 15 horas, para cuidar da sua hortinha. É que, lá em casa são oito bocas para alimentar e desta forma "poupa-
se muito dinheiro". O marido, os cinco filhos e o irmão dão uma preciosa ajuda ao fins-de-semana, "até porque há muito trabalho para lazer". Só no ano passado apanhámos mais de 50 sacas de batatas, com 20 quilos cada uma. As que não consumimos vendemos em alguns supermercados a cinco euros a saca", assume Justina Rocha. Mas, se para uns o cultivo
de terrenos baldios é uma questão de sobrevivência, para outros, esta é uma maneira
de ocupar o tempo de forma proveitosa. Com 86 anos, Pedro Furtado, morador na Cova
da Moura, há muito que se reformou da construção civil. Vive sozinho com a esposa e
há cerca de dois anos, com um grupo de amigos, decidiu aproveitar "os terrenos abandonados"
junto ao IC19. "É uma maneira de passar o tempo. Em vez de estar em casa venho para aqui e planto umas coisinhas, como couves e favas", explica. Apesar de ter trabalhado ao longo de toda a vida, com outros materiais, há coisas que não se esquecem. "Em Cabo Verde toda a gente
trabalhava na terra. São coisas que não se esquecem", graceja. "Para além de ocupar o meu tempo livre, os produtos são muito mais saborosos do que aqueles que se compram
nos supermercados". Não muito longe dali, junto ao Bairro do Zambujal, dezenas de hortas enfeitam o traçado da CRIL. Para quem não imagina, "esta terra é uma maravilha e tudo se planta, desde batatas, nabos, cenouras, cebolas, tomates ou feijões", salienta António Leitão, reformado da PSP e morador na Ajuda. "Tenho um amigo que tinha aqui uma horta e falou-me deste espaço livre. Como isto estava tudo ao abandono, começámos a plantar já vai para cinco anos", conta. Alentejano de gema, aprendeu a lidar a terra com o seu pai que era pastor e, depois de se reformar, encontrou na horta "uma forma de ocupar o tempo e de conviver com outras pessoas". É o caso de Maria Suzete dos Santos, que mora a poucos metros e adora dar uma mãozinha na "faina" agrícola. "Gosto de estar aqui com eles. Vou ajudando e sempre se poupa uns trocos no supermercado", explica. Todavia, aqui, a agricultura assume um papel mais rebuscado. "Temos três poços de água com dois motores, e uma moto- enxada para ajudar a lavrar a terra", acrescenta António Leitão. "Enquanto ninguém vier aqui mandar-nos embora vamos continuar a cultivar. Mas, já ouvimos dizer que está previsto um projecto qualquer para aqui. Inclusive, já andaram pessoas a tirar medidas ao terreno", revela ainda o agricultor.
É precisamente nessa área de terreno, pertencente ao IGAPHE e que vai ser cedida à autarquia, que a Câmara da Amadora quer construir uma nova zona agrícola. "Sei que para muitas pessoas as hortas ajudam na subsistência familiar mas não concordo que ocupem os terrenos e taludes em redor das estradas porque é muito perigoso", realça Joaquim Raposo, presidente da edilidade. "Se um dia houver um acidente, quem se responsabiliza...", questiona. Por isso,
ao abrigo do programa de requalificação da Cova da Moura, está a ser planeada a criação de uma grande horta comunitária, com cerca de três hectares, naquela zona do Zambujal. "Queremos
ter uma área ordenada, dividida pelos vários agricultores interessados, mas com equipamentos de apoio, para guardarem os seus materiais e água", revela Joaquim Raposo. "Deste modo, queremos acabar com os barracões, feios e inestéticos, que existem nos taludes do IC19, que serão posteriormente requalificados, como já aconteceu num pequeno troço da Damaia",
avança. Uma ideia que, à primeira vista, agrada aos pequenos agricultores. "Gosto da ideia. Se vier a acontecer, gostava de ser contemplado com um espaço", avança António Leitão,
interpretando o sentimento de muitos dos "novos" trabalhadores rurais da Amadora.

In Jornal da Região - Edição Amadora - 7.2.2007

1 comentário:

Ponto Verde disse...

Oportuna reprodução deste trabalho.
Saudações verdes.