Eram os mais velhos e mais temidos. Alguns gostavam de «dar porrada para aleijar». A escola da Damaia confiou neles e escolheu-os para monitores, deu-lhes coletes azuis e a missão de manter a ordem no recreio. Agora, a PSP distinguiu-os com diplomas de mérito, informa a Lusa.
Salvador anda no 6º ano e já chumbou quatro vezes. Com 15 anos, é mais alto do que a maioria dos alunos e facilmente sobressai no pátio da escola. É aí que diariamente faz a «ronda», «controla os intervalos», como gosta de dizer, juntamente com outros sete miúdos.
«Se vir que vai haver guerra, vou lá separar e acaba logo a luta. Os outros respeitam-me», explica, orgulhoso.
Sem rodeios, admite que «dantes era violento«, «gostava de provocar, de chamar nomes e dava porrada com força para os outros sentirem a dor». Hoje, garante estar «muito mais atinado». Sabe que o colete que enverga todos os dias é sinónimo de responsabilidade e, por isso, veste-o com vaidade, empenhando-se em «não arranjar problemas».
De alunos conflituosos a mediadores de conflitos
O caso de Salvador deixa visivelmente entusiasmado o professor António Gâmboa, presidente do conselho executivo da escola básica do 2º e 3º ciclos Pedro d'Orey da Cunha, que há cerca de três meses criou e lançou este projecto.
«Era um dos alunos mais problemáticos. Tinha um percurso muito complicado, com sucessivas repetências e muitos processos disciplinares. O Salvador ainda não tem um comportamento totalmente exemplar, mas está a fazer um esforço enorme», conta o docente, confiante na «viragem» do miúdo.
Cada um dos oito alunos que integram o «staff» da escola com a função de «mediadores de conflitos» foi escolhido por uma razão específica. Uns tinham comportamentos desviantes, de grande violência e indisciplina, outros não conseguiam integrar-se. Todos se sentem agora «reconhecidos e respeitados».
Mulato com grandes olhos cor de avelã e a primeira barba a despontar, Euclides, de 16 anos, sente que está a fazer um bom trabalho, mas, envergonhado, confessa que, às vezes, ainda tem «vontade de andar à luta».
«Tento-me controlar. Como tenho o colete, tenho de dar o exemplo. Se eu andar à porrada, os mais pequenos vêem e depois andam também», conta.
O brio e a determinação com que os oito encaram as funções é tal que se organizaram em escalas para assegurar que pelo menos dois deles entram na escola às 08:00, vinte minutos antes do início das aulas, de forma a manter a ordem no acesso ao estabelecimento.
«A organização da entrada para a escola ou das filas de almoço, que davam sempre conflitos, tem sido espectacular. Nos intervalos, também nunca mais houve lutas. Os funcionários já quase nem são necessários», brinca o presidente do conselho executivo.
Polícia distingue alunos
O sucesso do projecto não passou despercebido à Direcção Nacional da PSP, até porque a escola da Damaia, rodeada por bairros conhecidos pela pobreza e criminalidade, como a Cova da Moura e o 6 de Maio, é uma das 34 em todo o país classificadas como «território educativo de intervenção prioritária».
Há três dias, a polícia quis distinguir os miúdos, atribuindo-lhes diplomas de mérito onde destaca o «exemplo de abnegação e espírito de camaradagem demonstrado nas funções de mediador».
«O presente diploma não é mais do que o reconhecimento da PSP por aqueles que, sendo jovens, souberam escolher o seu caminho, souberam tomar decisões, souberam traçar um rumo», refere o documento emoldurado, assinado pelo próprio director nacional adjunto da PSP.
Como quem segura uma preciosidade, Salvador não o larga da mão e quer mostrá-lo a todos os amigos do bairro 6 de Maio, onde vive desde pequeno. Agora até sonha vir a ser polícia.
Fonte: Portugal Diário
segunda-feira, fevereiro 04, 2008
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